Lembro bem de uma cena da minha infância, lá no interior de Pernambuco, cidade dos meus avós. Lembro de um dos meus primos roendo um coco, um coco seco e duro, tentando com unhas e dentes retirar os lascos da "carne" do coco, mordendo, arrancando... aquilo me pareceu tão saboroso tanto quanto surreal, não resisti e pedi um pedaço, ao que ele respondeu: "Não, que tem ´subejo´". Subejo? O que seria subejo? Fiquei com aquela palavra na cabeça por um tempo, até que ele me explicou que era porque tinha muita baba sua por todo o coco. Pô, que palavra legal, pensei.
Muito tempo depois, na escola, acho que já no segundo grau, uma das minhas colegas bebia um refrigerante, quando outro colega, (Ícaro, o nome dele, não esqueço nunca), pediu um pouco. Eu que já estava de olho também no refrigerante da amiga, retruquei, rindo: "Dê não, fulana, que ele tem subejo".
A primeira coisa que me lembro, depois dessa minha fatídica frase, foi o murro que tomei no rosto. A segunda, foi a minha queda pra um lado. A terceira, foi o barulho das lentes dos meus óculos se estraçalhando do outro. A quarta foi a vergonha. A quinta foi a professora me dizendo: "se é pra você ficar chorando aqui na sala, atrapalhando a aula, é melhor você sair".
Bom, essa situação eu não esqueci nunca. E é dela que me lembro toda vez que alguém me retribui com grosseria algo bobo que eu tenha dito. Bobo, mal entendido, sem intenção, não importa, fico triste quando sou tratada grosseiramente por causa de algo tão banal como um "subejo".
Outro dia estava no cinema quando recebi uma mensagem no meu celular. Estava no silencioso, não tocou, não fez barulho, mas a luz do visor incomodou uma menina sentada atrás de mim. Ela não contou conversa, meteu a unhada na minha nuca e esbravejou: "desligue o celular"! Tomei um susto e ainda fiquei com o local ardendo (a nuca, o coração, o estômago e o intestino), chateada com tamanha ignorância desnecessária. Mas não retribui a grosseria. Calei-me. Educada que sou.
No mundo virtual as grosserias parecem sempre vir em capslock. Desnecessário também. Lembro de uma prima esbravejando por uma conta que cobrei dela. Lembro de um e-mail que recebi de outra pessoa, que por ser tão grosseiro, tão descabido e sem motivo, nunca o esqueci. Até hoje tento entender o por quê de palavras tão agressivas, ferinas, desnecessárias, vindas de uma pessoa que não me parecia, nem de longe, ser tão mal educada e mal amada.
Mas as pessoas são o que são. Umas são folha fina de sulfite, algumas papel de enrolar prego, outras, papel higiênico. Cada uma serve a seu propósito. Eu só faço lamentar. Quando posso, me desculpo. Quando dá, sorrio. Quando não, cato os oclinhos espatifados e saio cega no meio do tiroteio, certa que a única coisa que sobeja em muitos é a ignorância, o mau humor, a grosseria. Ainda bem que sou bem amada.
sobejo |â ou ê ou âi|
(origem duvidosa, talvez do latim super, sobre)
1. Que sobra ou excede. = EXCESSIVO
2. Que supera o necessário. = ENORME, GRANDE, INTENSO, NÍMIO
3. Que mostra ousadia. = ATREVIDO, AUDAZ, OUSADO
Gostei do post. E eu nem sabia que o motivo dos óculos quebrados teria sido um sobejo.
ResponderExcluirMas é a pura verdade, sobeja grosserias em pessoas mal amadas, mal educadas. E isso deixa o gosto ruim na gente quando somos as vítimas. Mas eu agora procuro ignorar essas pessoas para não sofrer. Faça isso, não sofra por pessoas tão sem educação.
Ser humano é um troço incompreensível. Prefiro me manter afastado o máximo que posso.
ResponderExcluir=**