quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Perfeita pra caramba
quarta-feira, 15 de outubro de 2025
Deus Proverá
A primeira vez que fui demitida, logo após ter assinado o aviso prévio saí, sentei numa esquina de banco bem movimentada e chorei sem vergonha de quem passava. Alguns dias antes, ao ser informada da decisão, tinha tido uma crise de choro na minha mesa de trabalho. Chorei, chorei largada, enquanto minha chefe, muito maternal, dizia que entendia aquela convulsão.
Eu tinha 26 anos, já me achava adulta, mas hoje sei que era só uma criança, tanto que meu pai no meu último dia foi comigo ao trabalho com o pretexto de uma carona. Andando com ele pelos corredores, comentei: "E agora, painho, onde vou procurar emprego"? E ele, sempre buscando palavras positivas, respondeu: "Deus proverá".
Hoje é a frase que mais me vem a mente quando me sinto desesperada ou encurralada. É a frase que mais "escuto" hoje, exatamente no dia de hoje. Deus proverá. Choro em seguida porque gostaria de ouvir diretamente do portador, andando em qualquer corredor da vida. 20 anos depois ainda sou a mesma menina esperando carona do pai protetor.
Em 2006, uma propaganda de telefonia celular para o dia dos pais mostrou uma criança à noite com medo de um monstro que estava debaixo da cama. O menino chama o pai, que explica que monstros não existem, mas mesmo assim promete protegê-lo torcendo o pescoço de qualquer monstro que aparecesse. Em seguida o monstro sai do seu esconderijo, e com medo, pega o celular pra ligar para o seu próprio pai dizendo: "Pai, vem me buscar". Por anos usei essa frase como meme no trabalho quando a "coisa pegava". Ria com meus colegas e repetia em tom de brincadeira pra deixar tudo um pouco mais leve.
Hoje o "monstro pai" também sou eu com outros pequenos monstrinhos pedindo socorro. Demissão já tive muitas outras, sem choros convulsivos, talvez apenas algumas poucas lágrimas, ou somente uma, pra não dizer que não chorei.
Não importa agora se eu me ache ou tenha que ser o "bichão", às vezes dá vontade de somente sentar na calçada e chorar. Dá vontade de ligar pro pai usando o plano pré-pago ou o wifi emprestado pedindo pra ele vir me buscar. A vontade de ouvir somente "Deus proverá". Qualquer palavra de conforto que dê uma gana de continuar. Hoje eu quero chorar, vivendo enfim, mais uma "demissão". Amanhã eu levanto, sacudo a poeira e dou a volta por cima.