Irresponsabilidade Verbal

Rita, sabe a Rita?  Pois é, menina, largou o marido e os dois filhos e foi fazer não sei o que no interior da Inglaterra. 

A Estela? Uma vagabunda.

A Viviane deu o golpe do baú, todo mundo sabe, só esqueceram de contar para o pobre do Alceu, que ficou cego e burro depois que caiu nas garras daquela alpinista social. 

Eu duvido, du-vi-do que a Raquel não tenha um amante. Ela anda muito feliz ultimamente. 

Rita, Estela, Viviane e Raquel são vítimas de Léas, Carlas, Sônias e Cecílias, que por sua vez estão na boca das Terezas, Veras, Dianas e Selmas, que também não escapam do veneno de Cláudias, Patrícias, Lilians e Mauras. Passado o dia internacional da mulher e cessados todos os elogios que merecemos por sermos ativas, guerreiras, amorosas e polivalentes, está na hora de reconhecermos um dos nosso defeitos mortais: a irresponsabilidade verbal. 

Falar da vida dos outros é hobby e não apenas feminino, ainda que sejamos nós as maiores adeptas deste esporte. Nem sempre a falação é maldosa. Fulana ganhou um prêmio, Beltrana está radiante porque seu tratamento contra celulite está dando certo e Cicrana está deprimida por causa de um amor rompido: ok, comenta-se. Alguns assuntos são frívolos, outros mais sérios, mas não há intenção de desmoralizar ninguém. O caso muda de figura quando passamos a rotular os outros em função de uma fofoca, de uma situação resumida, sem levar em consideração a complexidade da vida de todos nós. 

Rita se mandou para o interior da Inglaterra? Bem fez Rita. Os filhos estão criados e o marido foi quem mais a incentivou a realizar o sonho de estudar inglês lá fora. Eles tem uma relação sólida e desapego às convenções, vão cada um para um lado e voltam um para o outro ainda mais apaixonados. 

A Estela, de vagabunda, não tem nada. Trabalha desde os dezesseis, conseguiu completar o segundo grau com muito esforço, paga todas as contas em dia e é a amiga mais leal que alguém pode encontrar. É solteira, vacinada e transa com quem bem entender, pois sexo pra ela é vital e prazeroso, e homem nenhum tem se queixado de sua liberdade. 

A Viviane era dura mesmo, antes de casar com o Alceu. E o Alceu era duro em outro sentido, duro no seu modo de encarar a vida: surgiu Viviane e passou a estimulá-lo a viajar, comer bem, tomar bons vinhos, ter uma casa bonita, comprar livros de arte, enfim, a gastar um dinheiro que estaria sendo guardado para uma emergência até o fim de seus dias. Apareceu Viviane e mostrou pra ele que a vida é a maior emergência que existe, e o Alceu, cego e burro, se tornou mais feliz. 

E a Raquel tem um amante? Jura? Se inveja matasse, hein, gurias...


(As Pequenas Maldades - Martha Medeiros - maio de 2001)

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