Ai de mim que sou romântica



Uma nova série:
Ai de mim que sou romântica

É estranho encontrar uma agenda do ano 2000, ler coisas de um tempo passado e ver todo o meu presente ali escrito.
É como se nada tivesse mudado, como se eu tivesse parado no tempo, congelado. São as mesmas histórias com coadjuvantes diferentes, mas as mesmas lágrimas, os mesmos sonhos e desilusões, o mesmo romantismo ridículo.
Mudou nada não. O pior é pensar que talvez não mude nunca e eu tenha que morrer desiludida, velha, seca e sozinha.
Em 28 anos de vida (abafa o caso!) tive muitos amores. TER não é o verbo correto, mas ao conjugá-lo tento manter, mesmo que em vão, a ilusão que a mim persegue por tanto tempo.
Amei... isso é verdade, ou talvez não, mas não vamos entrar em detalhes... gostei,pode ser, de Ricardo, Douglas, Nailton, Elvo, Ronald, Fábio, Beto, Anselmo, Carlos... ah, Carlos... amei-os, mas não necessariamente nessa ordem. Mas quantos deles me amaram?

Ele era lindo como um deus grego. Destacava-se na multidão. Destacava-se no meu colégio, na minha cidade, na minha casa, meu sofá. Tinha sotaque engraçado de matuto do interior de Pernambuco, mas nem por isso perdia seu charme. Lembro bem da primeira vez que o vi.

Lembro do sábado à tarde com meu soninho costumeiro sendo interrompido pelo meu irmão que gritava: "Erika, Erika, um cara que é a cara do cara do Papa-Tudo está aí na sala!"
Nessa época eu era louca por Brandon Walsh e Dylan McKay do Barrados no Baile (Beverly Hills 90210) e pelo César Filho, quando este ainda era namorado da Angélica e apresentava uma loteria eletrônica na Globo chamada Papa-Tudo.
Por causa desse papa-tudo fui despertada pelo meu irmão alardeando o ilustre visitante. Levantei imediatamente com os cabelos em desalinho e limpando as remelas dos olhos, quando dei de cara com um rapaz lindo sentado na mesa da minha cozinha de paredes verdes pintadas à óleo.

Se eu fechar os olhos hoje posso ver toda a cena em câmera lenta e fundo musical romântico (algum sucesso da época) e o vejo olhando pra mim lentamente, sem dizer uma palavra. Vejo ele baixar os olhos e nem sequer tocar mais no lanche que minha mãe tinha feito pra ele.
Ele estava ali na minha casa porque sua tia, alguma parente distante da minha mãe, tinha falecido no hospital de Paulo Afonso. Ele era sobrinho-neto da minha avó. Ou seja meu primo em terceiro grau (ou seria quarto?) e que primo! O cara que era a cara do cara do Papa-Tudo - ao meu dispor!

Faz tempo que isso aconteceu, eu tinha exatos 16 anos e acho que foi quando amei pela primeira vez. Se não foi, fica sendo, mas me lembro muito bem.
Lembro do primeiro olhar, ele indo embora e sorrindo pra mim pelo vidro traseiro do carro. Lembro da camisa branca de malha e mangas compridas cheirando a limpa. Lembro da sua mão segurando a minha no escuro do carro do meu pai. Lembro dos beijos no sofá numa tarde luminosa, das suas visitas a minha escola, do riso fácil, da alegria, da inveja que fazia as outras meninas, dele segurando minha mochila na saída da escola, da primeira caixa de bombons, dos desenhos que fazia pra mim, das mãos entrelaçadas, dos beijos ao virar a esquina... do cartão que ele escreveu pra namorada.

Foi aí que surgiu a dúvida que às vezes ainda me atormenta no dias atuais: eu era a outra? A outra é que era a outra?
Essa foi a primeira de muitas desilusões. Nem quando fui traída pelo meu namorado e minha prima num beijo furtivo no sofá da sala de tia Marinalva doeu (eu dei o troco depois). Mas um cartão que ele fez no computador da minha casa pra uma namorada da cidade em que morava doeu muito mais. Essa foi minha primeira desilusão e a primeira importante decisão: aceitar a situação ou dolorosamente dizer não? (ou viver a vida inteira fazendo rimas pobres como essas?)

Ah, disso eu também me lembro bem. Era Natal e ele cruelmente foi me visitar na casa dos meus avós com a namorada à tira-colo. Senti-me mortalmente ofendida e vestindo então o tubinho justo e vermelho de amante ressentida contei toda a nossa história pra ela.
Lembro bem, como se fosse hoje, também em câmera lenta e com fundo musical romântico (ainda algum hit da época), ele olhou pra mim e nada disse. Virou as costas, foi embora e nunca mais voltou a falar comigo.

O cara que era a cara do cara do Papa-Tudo partiu meu coração numa noite de Natal e me deixou chorando só e baixinho, calada, enquanto ao longe se ouvia uma música triste ecoando na noite.
Eu tinha apenas 16 anos, há 12 anos, do túnel do tempo e descobri pela primeira vez como dói ficar sem a pessoa que a gente gosta.

Ele acabou se casando com essa mesma garota tempos depois, tiveram uma filha e até hoje vivem juntos, felizes para sempre.
Pelo menos pra alguém essa história tinha que ter Happy End.

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