Uma lembrança

Uma lembrança é reincidente a minha memória todas as noites e eu não sei por quê. Uma lembrança de quando eu estudava Engenharia Química. Faz um tempinho bom.
Lembro que combinei com alguns colegas de fazer um trabalho, agora não lembro de que matéria era, na verdade hoje eu não lembro mais a diferença entre Química Analítica Qualitativa e Química Analítica Quantitativa, ou entre Química Inorgânica e Físico-Química, eu só sei o que é Química Orgânica por causa do Carbono. (ou não tem Carbono?), enfim... marcamos de nos encontrar todos no terminal de ônibus pra esperar a colega dona da casa onde íamos fazer o trabalho.
Ela bem se atrasou, mas chegou, veio com uma aparência meio cansada, meio deprimida, triste mesmo.
Durante todo o trabalho ela ficou sentada calada na mesa com ar choroso, depois de algum tempo pediu licença dizendo que ia tomar um banho e saiu, entrou no banheiro e chorou copiosamente. Não lembrou da  da acústica que o banheiro tinha, nem da janelinha que ventilação que dava bem pra sala onde estávamos. Chorou durante um bom tempo. Um choro de quem tinha perdido alguém. Um choro dolorido como nunca tinha ouvido até então.
Ao voltar, com o rosto e olhos vermelhos, sentou a mesa, pediu desculpas e contou sua história.

Tinha passado o final de semana passado inteiro com seu amado, foram pra uma fazenda, andaram a cavalo, fizeram juras de amor. E então, naquele dia, naquela tarde, uma quarta-feira da mesma semana, ela tinha ficado sabendo que ele se casara com outra.
Eu ainda não conhecia as dores do coração. Não entendia as "razões" que o amor tem. Não entendi porque ela chorava por alguém que não era seu, que nunca fora seu, por que tinha se envolvido a tal ponto num relacionamento que tendia previsivelmente ao fracasso. Nem eu entendi, nem ninguém que estava ali.
Mesmo abalada, ele se ofereceu pra terminar o trabalho, encaderná-lo e entregá-lo para apresentação no dia determinado. Incrível como a gente permitiu isso.
No dia da apresentação ela mandou o trabalho inacabado por uma outra pessoa mas não apareceu. Depois disso abandonou a faculdade e nunca mais apareceu. Aquela tarde foi o último dia que a vimos.

Por que tenho lembrado disso quase todas as noites eu não sei. Hoje eu entendo e conheço a dor que ela sentiu aquele dia, conheço o pranto chorado no banheiro frio, entendo os motivos. Queria ter dito alguma palavra de conforto, ter feito alguma coisa, mas não disse, não liguei.
E hoje nem sequer lembro mais do nome dela.


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