A beleza da vida

18 comprimidos por dia. 4 horas numa fila para pegar gratuitamente do governo só metade dos medicamentos que preciso. Muitas idas ao banheiro. 4 quilos perdidos. Crise. Novamente.

O que analisar de positivo num dia em que só chorei a minha condição? A minha limitação por ter uma doença crônica incurável? O que ver de bom num dia em que mais uma vez se toma consciência de que "ficar boa" não é uma possibilidade em minha vida? Mas eu vi. Eu consegui ver beleza, mesmo quando era só dor que eu sentia: 

Minha gata se enroscar nos meus braços e fazer carinho no meu rosto com um ronronar mais gostoso do mundo. As lambidinhas, as mordidinhas até ela adormecer quentinha no balanço da minha respiração.

Ler Martha Medeiros no meio de tanta espera e se ver em cada linha, se identificar, se surpreender, sentir prazer.

O carinho dos amigos e até dos que nem são amigos ainda. A atenção de estranhos, pessoas que nunca vi na minha vida, ao me ver passando mal. A preocupação de todos com o meu bem estar. A certeza de não se estar sozinha. 

O prazer de dirigir um carro em alta velocidade com um som em alto volume, cantando sozinha de forma estridente e desafinada sem ninguém pra me criticar. Tanto calor lá fora, um céu azul sem nuvens e frescor aqui dentro. Dentro do carro. Dentro da alma. 130, 140 km/h e não mais o medo de morrer, porque a morte é certa e chega para todos, porque hoje eu sei que não vou morrer de acidente de carro. Vou morrer velhinha, em uma cama quentinha em Paris, com vista para a torre Eiffel. 

Comentários

  1. Pensei tanto em vc hj que vc apareceu. Sempre acompanho seus trechos escolhidos de Martha Medeiros, uma escritora para o tempo presente. Fique boa logo, cante muito, corra muito, curta sua kitten e apareça para gente fazer aquele balanço geral.bjs e saudade!!!

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