Penetras





- Essa casa é linda! Uma mansão enorme, tem piscina e até uma academia dentro equipada de tudo - disse Kátia.
- Como é que tu sabe? - perguntei.
- Quando eu passo no ônibus sempre fico olhando.
- Olha, vai ter festa lá! Se eu tivesse com mais duas caras-de-pau como eu, ia pra essa festa agora. Tem coragem, Kátia? - perguntou Nel.
- Eu não.
- Eu tenho - respondi - não tenho coragem de falar nada, mas tenho coragem de entrar lhe acompanhando. Agora, Nel, você fala tudo, eu não vou inventar mentira nenhuma.


Paro o carro na frente da casa. O pessoal ainda está arrumando. Nel coloca metade do corpo fora da janela:
- Que horas começa a festa?
- 6 horas, responde um carinha que arrumava a entrada do portão que imitava a entrada de um circo, com guichê e tudo.
- Daqui há pouco, né? A gente já pode entrar?
- Pode sim. Fique à vontade.
- Bora, Erika?
- Bora! - repito.
- Bora, Kátia?
- Deus me livre! Deixe-me ali no terminal que eu vou embora.
- Bora, mulher! - Nel insiste.
- Vou nada. Morro de vergonha!
- Eu vou - confirmo minha participação e completo - mas você fala, Nel!


Deixo Kátia no terminal, estaciono o carro, e sigo até a entrada da mansão com Nel. O segurança com braços fortes olha pra gente com estranheza, mas o decorador, ainda arrumando a entrada, diz:
- Entrem, fiquem à vontade.


Assim que a gente entra, Nel liga pra Kátia, toda empolgada:
- Muuuulheeeeer!!!!! Peeeeense numa festa linda!!!! Tem de tudo aqui. Olha a decoração é de circo, tem bichos de pelúcia pra todo lado, tem picadeiro, tudo muito colorido, etc, etc, etc.


Duas arrumadeiras se aproximam, curiosas, olham pra mim e perguntam:
- Vocês são amigas de Roberta?


Gelei. "Esmudeci". Nel continuou tagarelando no celular. As arrumadeira repetem:
- Hein? Vocês são amigas de Roberta?


Eu, que não sei mentir, me desespero:
- Nel, Nel! A mulher tá falando!


Como Nel não me ouve, falo para as mulheres com um sorriso amarelo:
- Eu não conheço Roberta, é ela que é amiga dela - e aponto pra Nel.
- Ah, então espere aí que eu vou chamá-la. Ela está ali na casa, foi trocar de roupa. Sentem-se, fique à vontade.


E Nel ainda tagarelando (que ódio!), alheia à situação:
-Kátia, mulher, a piscina... a academia... a casa... venha ver... Erika, você trouxe a câmera, vamos tirar foto!
- Nel... Roberta ta vindo!
- Roberta! Robertaaaa!!!! Tem duas amigas suas aqui - chamam as arrumadeiras.
- Nel, peste, acorda! Lá vem Roberta!
- Ô, Roberta! Aqui tuas amigas, elas estão aqui! - continuam chamando.


Nel nem tchum, continuou falando ao telefone, esperando a dona da festa aparecer pra olhar na nossa cara e dizer que nunca nos viu mais magras. Eu me desespero, vejo Roberta apontar na porta da mansão, puxo Nel pelo braço e praticamente corro em direção à saída. As mulheres estranham:
- Roberta já ta vindo. Não vão esperar?
- A gente volta já, vamos buscar o sobrinho dela - e dou mais um sorriso amarelo.


Passo pela entrada voando. Nel, ainda ao telefone, bem devagar atrás. O decorador estranha:
- Ei, ei, por que já vão? Ali Roberta, falem com ela - gritou, com um sorriso de quem diz: "Aí, não queriam entrar de penetras?"
Nel ainda "me" pára com o celular no ouvido e fica olhando pra cara do decorador. Puxo-a de volta e saio caminhando nervosa. O segurança continua olhando até a gente dobrar a esquina. Depois de me sentir segura, reclamo:


- Mulher, Nel, como é que você faz uma coisa dessas? Como é que inventa de entrar de penetra numa festa e fica falando sem parar no celular? Eu queria ver na hora que Roberta chegasse e olhasse pra cara da gente o que era que você ia inventar, porque eu não ia falar nada, e ela ia chamar o segurança pra jogar a gente no meio da rua. Se Roberta fosse de briga?


Nel, ainda conversando com Kátia no celular, olha pra mim e pergunta:


- Que Roberta?

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