Dona Encrenca se despede



Dona Encrenca se despede

Digeria as palavras da sua sogra enquanto lavava algumas peças íntimas. Já passava das onze da noite e vigorosamente torcia e espremia a cada lembrança.
Era sempre Dona Encrenca a ciumenta, a insegura, a paranóica. Ele nunca tem ciúmes, ele nunca implica com nada, ele sempre entende e aceita tudo. A sogra reclamou disso.
Não acreditando que ela pudesse ter aconselhado-a a consultar um psicólogo ou a tomar calmantes, resolver mudar de vez sua conduta. Não, não se transformaria numa gueixa submissa, nem sabia ainda em quem se transformar, só sabia que alguma coisa deveria ser feita. Tirou a roupa molhada na barriga, vestiu uma camisola de algodão rosa de bichinhos e foi dormir, articulando que aquela seria a última vez em que colocaria uma camisa de político para lavar roupa ou fazer qualquer outra coisa.

Na manhã do dia seguinte, demorou um pouco mais que o costume para se arrumar. Maquiagem, salto, uma roupa mais arrumadinha. Para tanto se atrasou. Pegou um táxi.
Celular toca e era ele:
- Liguei pra o seu trabalho, você ainda está a caminho?
- Bom dia.
- ... que voz estranha... o que foi? Está num táxi?
- Sim.
- ... Tem certeza? Num táxi? Com quem? Quem é o motorista?
- tenta brincar, parodiando Dona Encrenca.
- Você não está de carona com algum homem, está?
Ela entra na brincadeira:
- Talvez.
- Ei, eu confiava tanto em você
- ainda brinca.
- Se eu fosse você não confiava tanto. Nem eu confio em mim mesma... Olha, eu tô chegando. Depois você me liga.

Alguns minutos depois, telefone do escritório toca. Ele novamente:
- Por que se atrasou?
- Acordei tarde.
- Onde dormiu?
- dessa vez não parecia tão brincalhão.
- Em casa, ora!
- Mesmo? E estava com quem mesmo no carro?
- sem nenhum indício de senso de humor.
- Olha, meu bem, agora preciso desligar, tenho que trabalhar, depois a gente se fala.

Nasce o Senhor Encrenca.

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